A democracia se consolida pela livre escolha dos governantes. No afã de entender melhor os meandros da política, momentos como os das eleições transbordam para sentimentos de mudanças a qualquer preço. Mudanças do que e que apontam para onde?
De repente, ao reler uma fábula antiga, surge uma iluminação.
A fábula
“Havia num país distante um rei que amava queijos acima de quaisquer outros prazeres. Amava-os tanto que mandou vir para o reino os mais renomados especialistas do mundo, não só para garantir a fabricação dos queijos já conhecidos, mas também para pesquisar novos sabores. As universidades tornaram-se centros de pesquisa de queijos. Ficaram famosos queijos feitos com leite de baleia e leite de unicórnio. O palácio do rei tornou-se um enorme depósito de queijos de todo tipo e sabor. O cheiro atravessava os mares.
O reinado ficou famoso e enriqueceu com a produção e exportação de queijos. No campo da teologia, estudos comprovaram que o sacramento da eucaristia não foi celebrado com pão e vinho, mas com queijo e vinho.
Aconteceu, entretanto, que, além do rei e do povo, outros seres que gostavam de queijo se mudaram para o palácio: OS RATOS. Atraídos pelo cheiro, milhares de ratos passaram a se deliciar dos queijos reais. Todo dia os ratos se multiplicavam aos milhares e invadiam armários, gavetas, sofás, cozinhas, até mesmo o trono real.
O pior. De alguma forma, os ratos tinham que expelir a comilança. Pequenos cocozinhos, durinhos e mal cheirosos se espalhavam por todo o palácio.
Furioso com o cheiro insuportável do excremento , o rei chamou seus ministros e perguntou-lhes como fazer para se livrar dos ratos. É fácil, majestade. Basta trazer os gatos”, responderam.
Felicíssimo, o rei mandou providenciar uma centena de gatos para acabar com os ratos. Ao verem os gatos, os ratos fugiram em polvorosa. Foram-se os ratos, ficaram os gatos.
Tal qual os ratos, os gatos comiam tudo o que viam pela frente e movidos pelas mesmas necessidades fisiológicas, cobriam o brilhante piso do palácio de cocô.
Foribundo, o rei chamou os ministros e perguntou-lhes como acabar com os gatos. “É fácil, majestade. Basta trazer os cachorros”, responderam.
Foram-se os gatos e cachorros de todas as raças e tamanho foram morar no palácio. Comilões, os cachorros começaram a fazer cocô no leito real, coce no tapete persa e xixi nas begônias do vasto jardim. Ao final, havia cocô de cachorro e cheiro insuportável de xixi em todos os cantos do palácio.
Apavorado com a imundície provocada pelos caninos, o rei chamou seus ministros e perguntou-lhes como fazer para se livrar dos cachorros. “É fácil, majestade. Basta trazer os leões”, responderam.
Assim se fez. Chegaram os leões com suas jubas exuberantes. A cachorrada, ao ver chegar os leões, fugiram em debandada. Foram-se os cachorros, ficaram os leões.
Mas os leões, não só comiam cem vezes mais, como defecavam cem vezes mais.
O reino entrou em crise. Faltava dinheiro para pagar a carne que alimentava os leões e os catadores de cocô ameaçavam entrar em greve.
Desesperado,, o rei chamou seus ministros e perguntou-lhes como fazer para se livrar dos leões. “É fácil, majestade. Basta trazer os elefantes”, responderam.
Foram-se os leões e ficaram os elefantes. Grandões, eles comiam montanhas e defecavam montanhas.
Deprimido, o rei chamou os seus ministros e perguntou com voz sumida: “Que fazer para nos livrarmos dos elefantes?
Eureka. Os ministros lembraram que os elefantes, corajosos por natureza, estremecem ao ver um rato. E responderam em coro; “É fácil, majestade. Basta trazer os ratos”.
Então foram-se os elefantes e os habitantes do reino passaram a viver felizes com os ratos e seu miúdo cocô.”
Em visita ao Congresso Nacional, símbolo da democracia, você notará espantado que os prédios estão cheio de ratos e você exclamará: “Deve haver muitos ratos por aqui!”
Sim, existem muitos ratos.
E você perguntará: “Por que não trazem os gatos para acabar com os ratos.”
E a história de novo deverá ser contada para mostrar a grande lição da democracia. “Se para o bem da nação, é preferível manter o cocô de rato que mudar ao de elefante.”
Inspiração: Crônica “O rato roeu o queijo do rei ..". de Rubem Alves