terça-feira, agosto 02, 2022

SETE DÉCADAS

Nos tempos das estradas barrentas sem asfalto, lá ia uma bebezinha de 2 anos rumo a um novo destino. Uma tia decidiu levá-la para morar com a avó materna em Campo Mourão. O motivo - diziam - era porque a criança ocupava  espaço demais numa pequena casa onde já moravam os pais e as duas filhas do primeiro casamento do pai. Eles moravam na Cachoeira, um pequeno povoado perto do Turvo.

E a infância se fez alimentada por pitangas e guabirobas aos tantos nos campos livres da terra vermelha. 

Da água de poço muitas vezes barrenta em tempos de estiagem prolongada.

Do grupo escolar, o guarda-pó  branco e o bornal de pano de saco. 

Do ginásio, a saia bordô pregueada, blusa e meia três quartos brancas. 

A Rádio Colmeia quebrava o silencio dos lares e bares, ora a ecoar Teixeirinha, ora Elvis Presley ou então Reporter Esso. Programa de calouros no palco do Cine Império movimentava a vida cultural da juventude mourãoense.

Do cinema, grandes lembranças. Mazzaroppi dava o tom da interatividade com público. A galera batia o pé no chão e batia palmas diante das aventuras bem sucedidas do caipira engraçado. Faroestes, filmes épicos e românticos italianos atraiam muita gente em frente a tela. 

As paradas de 7 de setembro, sinônimo de patriotismo absoluto na precisão do toque da fanfarra, dos passos em marcha, das balizas trajadas em vestidos de veludo enfeitados com vidrilhos e lantejoulas. 


Jovem guarda


Os sonhos eram embalados pela   garota papo firme que o Roberto falou, a mini saia da Wanderléa e no verde dos olhos do Wanderley Cardoso. Tudo muito intenso e vivido.

Do ginásio à Normal Secundária, adolescentes quase mocinhas esperançosas pelo ofício de professora primária e, quem sabe, de um bom futuro com o mocinho conquistado na saída da missa das dez ou então no escurinho do cinema.


Nem uma coisa nem outra.

Curitiba me chamava, o mundo me chamava para um outro capítulo da história. 

Com 80 cruzeiros e poucas peças de roupas dentro de uma mala surrada, cheguei às 6hs da manhã  no dia 18 de novembro de 1971 na rodoviária do Guadalupe.

Um apartamento de dois quartos e doze moradoras. Para este local me dirigi para ser a décima terceira a se integrar na república das moças que vinham do interior para fazer faculdade. 


Há 50 anos

Felicidade. Passei no vestibular. Comunicação Social na UFPR. É mole? Anfiteatro lotado do ed. D. Pedro I. 

A área de humanas emanava rebeldia. Sem saber o porquê nem razões aparentes, vi estudantes se esconderem da polícia dentro do guarda-roupa da CEUC - Casa da Estudante Universitária de Curitiba. 


Natal de 1972

Sem dinheiro para passar o Natal com a família, um grupo de estudantes se reuniu na Praça Santos Andrade perto da meia noite para comemorar juntos a data do nascimento do Homem. O som das cordas do violão, a Noite Feliz foi interrompida por alguns policiais  com o argumento de que o sossego da vizinhança e a ordem pública estavam ameaçados. Houve revista nos pertences e então os fardados encontraram panfletos mimeografados dentro das mochilas. 

Nestes, informes e denúncias de perseguição de estudantes no Rio e São Paulo. 

A ideia era, durante a madrugada, colocar o material embaixo  das portas no comércio da Rua XV.

Em silêncio sepulcral, a sagrada teimosia foi levada para a sede do DOPS-Delegacia de Ordem Política  e Social. Lá, entre ponta-pés, tapas e interrogatório absurdo os sinos de Belém repicavam medo. A noite foi longa, tétrica.


1973

De guichê em guichê, de porta em porta, a resposta era a mesma: você não pode renovar a matricula porque você reprovou por falta; você reprovou em mais de duas disciplinas por isso não pode se rematricular...

Tudo isso sem saber porque. 


O sonho da mocinha desmoronou. Faculdade, o curso de JORNALISMO, ficou prá  trás.  Vieram empregos, concurso vitorioso no Banestado, novas moradias, curso de Serviço Social na faculdade Espírita, dois filhos amados e... aposentadoria.

Mas o JORNALISMO interrompido continuava a incomodar.


A virada.

Reunião informal e conversas animadas entre sindicalistas bancários. 

Neste clima, um camarada - que no final deste texto direi quem é -  perguntou-me se eu queria voltar a estudar. A princípio estranhei a pergunta e aí ele argumentou que  a Unibrasil estaria a abrir suas portas para o curso de JORNALISMO.

Topei a parada. Fui da primeira turma do sonho realizado, da vida que seguiu em frente.

Obrigada Wilson Ramos Filho Xixo.

Obrigada a todas e todos que me aguentaram e que  continuam me aguentando nestas sete décadas.