Nos tempos das estradas barrentas sem asfalto, lá ia uma bebezinha de 2 anos rumo a um novo destino. Uma tia decidiu levá-la para morar com a avó materna em Campo Mourão. O motivo - diziam - era porque a criança ocupava espaço demais numa pequena casa onde já moravam os pais e as duas filhas do primeiro casamento do pai. Eles moravam na Cachoeira, um pequeno povoado perto do Turvo.
E a infância se fez alimentada por pitangas e guabirobas aos tantos nos campos livres da terra vermelha.
Da água de poço muitas vezes barrenta em tempos de estiagem prolongada.
Do grupo escolar, o guarda-pó branco e o bornal de pano de saco.
Do ginásio, a saia bordô pregueada, blusa e meia três quartos brancas.
A Rádio Colmeia quebrava o silencio dos lares e bares, ora a ecoar Teixeirinha, ora Elvis Presley ou então Reporter Esso. Programa de calouros no palco do Cine Império movimentava a vida cultural da juventude mourãoense.
Do cinema, grandes lembranças. Mazzaroppi dava o tom da interatividade com público. A galera batia o pé no chão e batia palmas diante das aventuras bem sucedidas do caipira engraçado. Faroestes, filmes épicos e românticos italianos atraiam muita gente em frente a tela.
As paradas de 7 de setembro, sinônimo de patriotismo absoluto na precisão do toque da fanfarra, dos passos em marcha, das balizas trajadas em vestidos de veludo enfeitados com vidrilhos e lantejoulas.
Jovem guarda
Os sonhos eram embalados pela garota papo firme que o Roberto falou, a mini saia da Wanderléa e no verde dos olhos do Wanderley Cardoso. Tudo muito intenso e vivido.
Do ginásio à Normal Secundária, adolescentes quase mocinhas esperançosas pelo ofício de professora primária e, quem sabe, de um bom futuro com o mocinho conquistado na saída da missa das dez ou então no escurinho do cinema.
Nem uma coisa nem outra.
Curitiba me chamava, o mundo me chamava para um outro capítulo da história.
Com 80 cruzeiros e poucas peças de roupas dentro de uma mala surrada, cheguei às 6hs da manhã no dia 18 de novembro de 1971 na rodoviária do Guadalupe.
Um apartamento de dois quartos e doze moradoras. Para este local me dirigi para ser a décima terceira a se integrar na república das moças que vinham do interior para fazer faculdade.
Há 50 anos
Felicidade. Passei no vestibular. Comunicação Social na UFPR. É mole? Anfiteatro lotado do ed. D. Pedro I.
A área de humanas emanava rebeldia. Sem saber o porquê nem razões aparentes, vi estudantes se esconderem da polícia dentro do guarda-roupa da CEUC - Casa da Estudante Universitária de Curitiba.
Natal de 1972
Sem dinheiro para passar o Natal com a família, um grupo de estudantes se reuniu na Praça Santos Andrade perto da meia noite para comemorar juntos a data do nascimento do Homem. O som das cordas do violão, a Noite Feliz foi interrompida por alguns policiais com o argumento de que o sossego da vizinhança e a ordem pública estavam ameaçados. Houve revista nos pertences e então os fardados encontraram panfletos mimeografados dentro das mochilas.
Nestes, informes e denúncias de perseguição de estudantes no Rio e São Paulo.
A ideia era, durante a madrugada, colocar o material embaixo das portas no comércio da Rua XV.
Em silêncio sepulcral, a sagrada teimosia foi levada para a sede do DOPS-Delegacia de Ordem Política e Social. Lá, entre ponta-pés, tapas e interrogatório absurdo os sinos de Belém repicavam medo. A noite foi longa, tétrica.
1973
De guichê em guichê, de porta em porta, a resposta era a mesma: você não pode renovar a matricula porque você reprovou por falta; você reprovou em mais de duas disciplinas por isso não pode se rematricular...
Tudo isso sem saber porque.
O sonho da mocinha desmoronou. Faculdade, o curso de JORNALISMO, ficou prá trás. Vieram empregos, concurso vitorioso no Banestado, novas moradias, curso de Serviço Social na faculdade Espírita, dois filhos amados e... aposentadoria.
Mas o JORNALISMO interrompido continuava a incomodar.
A virada.
Reunião informal e conversas animadas entre sindicalistas bancários.
Neste clima, um camarada - que no final deste texto direi quem é - perguntou-me se eu queria voltar a estudar. A princípio estranhei a pergunta e aí ele argumentou que a Unibrasil estaria a abrir suas portas para o curso de JORNALISMO.
Topei a parada. Fui da primeira turma do sonho realizado, da vida que seguiu em frente.
Obrigada Wilson Ramos Filho Xixo.
Obrigada a todas e todos que me aguentaram e que continuam me aguentando nestas sete décadas.
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