quinta-feira, junho 23, 2022

Renato Freitas, ora cassado


A 'invasão' na igreja durante a missa foi preponderante para a tomada da decisão que levou à cassação do mandato do vereador Renato Freitas-PT. 

O termo 'invasão foi repetido à exaustão desde o início do processo. 

Nem vídeos a demonstrar não haver interrupção de culto, nem depoimento do padre a alegar não ter havido constrangimento aos fiéis, nem inúmeras testemunhas a relatar uma manifestação pacífica e ordeira foram suficientes para demover a casa da convicção de culpa do vereador. 

O caso ilustra com força o poder da narrativa. Não importa se a pessoa cometeu ou não determinada irregularidade. Bastam artimanhas midiáticas de convencimento para moldar a realidade na construção dos fatos.

E por que a certeza de injustiça na cassação do Renato?

Porque eu estava lá naquele dia. Presenciei e participei daqueles 10 minutos dentro da igreja  donde ali a sagrada rebeldia representava o inconformismo pela morte estúpida de um negro indefeso.

Negro não sabe o que é dor. Negro não tem alma não.

Que essa palavra 'invasão' tão fartamente usada para criminalizar quem quer terra para plantar, teto para morar e agora igreja para manifestar a dor seja colocada no lixo da história. 

Infelizmente, a CMC entrou no rol maldade e da discriminação.

Castro Alves um dia escreveu:

"Deus! Oh! Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrelas tu te escondes?


Será que Deus está envergonhado?

domingo, junho 19, 2022

Um restaurante, um dono, um recado

Neste mundão virtual de brava gente, tem no zap um grupo formado só por mulheres chamado "Loucas por Lula".

Trata-se de um espaço onde, em sua maioria -  entre uma cerveja, um petisco e o som de música boa -  elas se conhecessem e se identificassem nos ideais da solidariedade, do amor e, acima de tudo, pelo jeito ousado de ver e fazer política neste Brasil cada vez mais confuso. 

Sábado, dia de feijoada.

As "Loucas" combinaram e lá foram almoçar juntas, movidas pela alegria que lhes é peculiar.

O encontro foi  num restaurante de dono conhecido e de som ao vivo tocado por um músico prá lá de popular no meio esquerdista curitibano.

Pausa para foto.

Era a famosa toalha do Lula que uma das Loucas portava para uma pose coletiva no restaurante.

A alegria durou pouco.

Educado, porém enfático, o dono do pedaço pediu para que tais manifestações fossem evitadas, haja vista a presença de clientes não lulistas no local.

Foi uma baldada de água fria na espontaneidade delas.

A boa educação e o respeito  recomendou acatar a orientação.

Mas cabe aí uma série de considerações. 

Que sociedade é essa, a qual uma simples foto com a imagem de um político pré candidato bem pontuado nas pesquisas é motivo para admoestação?

Que povo é esse capaz de cercear gestos pacíficos, apenas porque não compartilham da mesma escolha?

No que nos tornamos ao sermos surpreendidas com proibições deletérias sem esboçar rebeldia?

Lá, foi dito, não se vai mais.

sábado, junho 11, 2022

Há 50 anos. Marcas do que se foi.


Poesia, nem tanto. Agitação, tudo a ver. Repúblicas e casas de estudantes, em cada esquina. Curitiba respirava gente jovem reunida.

Em 1972 eu cursava o 1° ano de Comunicação Social na UFPR. Bons tempos. 

Natal. "Na parede da memória esta lembrança é a que doi mais."

Ali na praça Santos Andrade, bem em frente ao prédio mais bonito da cidade - o da UFPR - meia dúzia de estudantes depositavam nas cordas de um violão e no canto de músicas natalinas a tristeza em não poder estar com a família no Natal.

Faltavam cruzeiros no bolso para comemoração em convívio. Muitos estudantes eram oriundos de outras cidades.

Quase meia noite. 

"Noite feliz, noite feliz. Ao senhor, Deus de amor..."

Uma sirene, um carro de polícia e quatro fardados.

- Recebemos reclamação que vocês estão fazendo tumulto. Estão incomodando os moradores. 

Pânico e silêncio na praça.

- Mãos para cima. 

E a revista começa. Da mochila cai um maço de panfletos de material mimeografado.

"Quando vim do interior, inocente pura e besta" não sabia que o Brasil verde-oliva era ditadura, que o regime militar significava não reclame, não conteste,  cale-se.

Não sabia que os estudantes eram foco de perseguição e tortura.

- Todos estão presos.

O material apreendido pela polícia referia-se à denúncias de perseguição e sumiço de estudantes em São Paulo e Rio. Tratava-se de alertar à sociedade sobre a violência social imposta até então sob a égide do regime autoritário vigente.

Aquela folha de papel de tipos datilográficos azulados e meio borrados objetivava distribuição na calada da noite nas caixas de correspondências ou debaixo das portas do comércio na Rua XV. Tudo no maior cuidado a fim de evitar fragrante. 

O camburão se abriu e seguiu não sei pra onde. Ou melhor,  sei. Prá sede do DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social.

Se bem lembro, um homem com cara de mau, de mandão, queria porque queria que disséssemos a que grupo pertencíamos, quem nos orientava. 

Nossas ações enquanto organização eram limitadas. 

Nossas respostas não satisfaziam à inquisição.  

O restante da noite naquele mísero espaço individual 2x1m mau iluminado foi trash.

Falarei em meu nome.

Amanheceu. Novamente o interrogatório. Eu jurava que nada sabia mas eles insistiam nas mesmas perguntas. Levei tabefes, chutes e xingamentos aos tantos. Nessa época eu era bem magrinha. Pesava 48kg. A cada tapa eu me encolhia, tremia e chorava. 

Não sei se os policiais se convenceram de que eu era inocente útil de alguma organização, segundo eles, subversiva ou se ficaram com dó de uma magricela assustada... não sei. 

- Vai embora daqui vadia.Nunca mais, queremos ver você na rua fazendo baderna com esses panfletos anti-patrióticos na mão. Suma daqui.

...

Adeus sonho do diploma universitário. Em cada guiche, em cada balcão, uma justificativa:

- Tua matrícula para o 2° ano foi cancelada: você reprovou por falta; você pegou mais de duas dependências...

Quanto mais lutava pela rematrícula, mais levava não nas costas. 

Tentei frequentar as aulas mesmo estando irregular, mas meu nome não constava da chamada. Desisti da UFPR, mas não de viver, de lutar e ser feliz. 

...

Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia.