sábado, junho 11, 2022

Há 50 anos. Marcas do que se foi.


Poesia, nem tanto. Agitação, tudo a ver. Repúblicas e casas de estudantes, em cada esquina. Curitiba respirava gente jovem reunida.

Em 1972 eu cursava o 1° ano de Comunicação Social na UFPR. Bons tempos. 

Natal. "Na parede da memória esta lembrança é a que doi mais."

Ali na praça Santos Andrade, bem em frente ao prédio mais bonito da cidade - o da UFPR - meia dúzia de estudantes depositavam nas cordas de um violão e no canto de músicas natalinas a tristeza em não poder estar com a família no Natal.

Faltavam cruzeiros no bolso para comemoração em convívio. Muitos estudantes eram oriundos de outras cidades.

Quase meia noite. 

"Noite feliz, noite feliz. Ao senhor, Deus de amor..."

Uma sirene, um carro de polícia e quatro fardados.

- Recebemos reclamação que vocês estão fazendo tumulto. Estão incomodando os moradores. 

Pânico e silêncio na praça.

- Mãos para cima. 

E a revista começa. Da mochila cai um maço de panfletos de material mimeografado.

"Quando vim do interior, inocente pura e besta" não sabia que o Brasil verde-oliva era ditadura, que o regime militar significava não reclame, não conteste,  cale-se.

Não sabia que os estudantes eram foco de perseguição e tortura.

- Todos estão presos.

O material apreendido pela polícia referia-se à denúncias de perseguição e sumiço de estudantes em São Paulo e Rio. Tratava-se de alertar à sociedade sobre a violência social imposta até então sob a égide do regime autoritário vigente.

Aquela folha de papel de tipos datilográficos azulados e meio borrados objetivava distribuição na calada da noite nas caixas de correspondências ou debaixo das portas do comércio na Rua XV. Tudo no maior cuidado a fim de evitar fragrante. 

O camburão se abriu e seguiu não sei pra onde. Ou melhor,  sei. Prá sede do DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social.

Se bem lembro, um homem com cara de mau, de mandão, queria porque queria que disséssemos a que grupo pertencíamos, quem nos orientava. 

Nossas ações enquanto organização eram limitadas. 

Nossas respostas não satisfaziam à inquisição.  

O restante da noite naquele mísero espaço individual 2x1m mau iluminado foi trash.

Falarei em meu nome.

Amanheceu. Novamente o interrogatório. Eu jurava que nada sabia mas eles insistiam nas mesmas perguntas. Levei tabefes, chutes e xingamentos aos tantos. Nessa época eu era bem magrinha. Pesava 48kg. A cada tapa eu me encolhia, tremia e chorava. 

Não sei se os policiais se convenceram de que eu era inocente útil de alguma organização, segundo eles, subversiva ou se ficaram com dó de uma magricela assustada... não sei. 

- Vai embora daqui vadia.Nunca mais, queremos ver você na rua fazendo baderna com esses panfletos anti-patrióticos na mão. Suma daqui.

...

Adeus sonho do diploma universitário. Em cada guiche, em cada balcão, uma justificativa:

- Tua matrícula para o 2° ano foi cancelada: você reprovou por falta; você pegou mais de duas dependências...

Quanto mais lutava pela rematrícula, mais levava não nas costas. 

Tentei frequentar as aulas mesmo estando irregular, mas meu nome não constava da chamada. Desisti da UFPR, mas não de viver, de lutar e ser feliz. 

...

Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia.

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