domingo, maio 29, 2011

“O senhor Cu". Um resgate histórico-cultural do cu; o cu é discreto e tem nobreza

Nunca entendi muito bem o asco, o preconceito, a cisma e a ironia grosseira que a humanidade, de um modo geral, vem dedicando ao cu. Outras partes do corpo, que também se escondem sob vestes e roupas, como os seios femininos, as nádegas e o pénis, por exemplo, são via de regra mostradas e exibidas aqui e ali com grande prazer e júbilo, servindo mesmo como ilustrações e obras de arte e mitologia. Mas ao cu só se devotam desprezo e nojo. Gostaria, pois, navegando rio acima, de dar ao cu a dignidade, o respeito, o zelo, o cuidado e a importância que ele merece de todos nós. Um resgate histórico-cultural.

O cu é complexo. Mesmo desconsiderando as questões e os problemas vizinhos do colo ileopélvico, do sigmóide, do reto, do ponto crítico de Sudeck, da fita cólica distal, dos ramos epiplóicos, das colunas, válvulas e criptas de Morgani, que dão feição, encaixe, suporte e armação ao cu, ele é complexo. No aparelho esfincteriano, toda a circunferência do cu é ocupada pelo espaço perianal ou subcutâneo. O cu é a abertura para o exterior do canal anal. Quando fechado, tem o aspecto de fenda disposta no sentido ântero-posterior ou transversal e, quando aberto, o seu contorno é circular. Dois sulcos medianos aí se mostram: a rafe sacrococcígea e a rafe anobulbar ou ano-vaginal, na mulher. Segundo a descrição de Milligan e Morgan, o cu tem como limite superior o anel ano-retal, o ponto mais alto, e como limite inferior a linha anocutânea ou linha branca de Hilton.

O cu é também dotado de papilas, minúsculas saliências ovalares da mucosa, às vezes mesmo imperceptíveis. E por todos os lados o cu é circundado por rica rede vascular comunicante, espessada túnica muscular, constituída pelos feixes fibromusculares elásticos e fibras lisas, formando um complexo aparelho regulador da continência do cocô e dos peidos. No entanto, por mais complexo que seja o cu, ele é prazeroso e todos, no íntimo e no recato, o apreciam e valorizam.
O grande Freud, como se sabe, chegou a mencionar e a estudar o chamado estágio ano-retal ou fase anal, da criança, como um dos mais importantes na definição posterior de sua personalidade adulta.
Também para os que sofrem de incómoda e persistente prisão de ventre ou outros distúrbios gastrointestinais, quando o bolo fecal e os peidos chegam finalmente ao cu, depois de longo e penoso processo intestinal, experimentam (é o que se diz e comenta reservadamente) grande prazer e alívio, vivendo um dia de optimismo e alegria e com isso criando, à sua volta, um ambiente ameno e agradável no lar e no trabalho.

Existe ainda os que falam e exaltam, de público e alto e bom som, os prazeres combinados, de “mão dupla”, do cu, ou seja, das coisas que saem do cu mas também das coisas que entram no cu. […] Para estes, que cultivam eroticamente o cu, torna-se incompreensível, até certo ponto, desde que se deliciam com o coito anal, expressões ofensivas e agressivas vulgares do populacho, tais como “Vai tomar no cu!” […], ou que utilizam expressões pejorativas como o “cu do mundo” para significar um lugar feio, vergonhoso ou miserável. Como poderiam tais expressões ser verdadeiras, se o cu, afinal, é belo, é gostoso e só nos proporciona o bem e o agradável? – perguntam eles.

Por outro lado, o imaginário popular também utiliza o cu para exprimir sua profunda sabedoria quando usa expressões e provérbios tais como “Cu de bêbado não tem dono”, “Não se deve contar com o ovo no cu da galinha”, “Quando a merda der dinheiro, o cu do pobre entope”, “Quanto mais alguém se abaixa, mais lhe aparece o cu”, “Quem tem cu tem medo” etc. E o cu ainda tem a virtude de não ficar exposto por aí, como o rosto e outras partes do corpo humano, guardando-se e reservando-se sempre na intimidade de cuecas, calcinhas e paninhos. O cu é discreto por natureza e cultura. Sem exagero, possui nobreza.
Mas, de toda forma e por último, seja que apelido ou nome dermos ao cu, […] o certo é que todos nós muito devemos ao Senhor Cu, o qual em tudo é assim digno de nossa homenagem, louvor e gratidão. Viva o cu! Longa vida ao cu! Salve o cu!

Escrito por JARBAS MEDEIROS, cientista político. Artigo publicado na edição de novembro/2001 da Revista Caros Amigos

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