domingo, fevereiro 12, 2012

Cheguei aos sessenta


Ao completar sessenta anos, lembrei do filme “De repente 30”, em que a adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta, formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu nesse intervalo.
Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
Pergunto a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola, aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela bancária ingênua que enfrentou tímida seu primeiro dia de trabalho, aquela menina sonhadora com um casamento que durou tão pouco! Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho que hoje tem lá seus trinta anos.
Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente, é preciso espaço!


Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta também foram mal lembrados. Estava por demais preocupada com a carreira profissional, visando um melhor salário na aposentadoria que aconteceu cinco anos depois.
Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, num novo espaço social, em novas perspectivas de vida e de sonhos.
Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as manhãs.
Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações em todas as áreas: de Elvis Presley a Michael Jackson, de Jovem Guarda e Tropicália a Rap e Funk carioca, dos anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas; de impeachment de presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS. Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e alguns vexames históricos).
Nasci na época em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só conseguiu comprar um aparelho usado vinte anos depois e, por meio de suas transmissões, vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas.
Passei por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem do computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que conheci mecanismos capazes de me levar a amigos há tempos invisíveis por contingência. Hoje a gente se vê, troca fotos, ri e se emociona. A gente compartilha as aventuras do viver.
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos, pratico alongamento físico, caminhadas com meu cachorro Lilico, faço acupuntura pelo uma vez por semana, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao banheiro). Gosto de cinema, música, leio, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer.
Parece que foi ontem. Mas já se foram quinze anos sem chefe e relógio-ponto. O que não significa inanição. Voltei aos bancos escolares, desta vez para cursar Jornalismo e uma pós graduação em Ciência Política. Aprendi muito no convívio acadêmico, muito mais no reconhecimento da troca de experiências geracionais. Os óculos para perto acusavam a diferença.
Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: duas cesáreas a contragosto, a retirada do útero em plena época de provas na faculdade, a interrupção de uma viagem ao Maranhão motivada por uma violenta crise de coluna, um joelho recuperado de artrose... Esses percalços nos fazem refletir diariamente na lógica de que a vida traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço o que fiz ontem.
Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
Ah, sim, dos meus sessenta.
Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa prerrogativa, talvez porque não são considerados pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, estacionamentos demarcados ou sentar sem culpa nos bancos reservados do ônibus.
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em minha nova condição de mulher muito sex...agenária!

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