Maria nunca trabalhou fora de casa. Mal conheceu a bodega do vilarejo onde se vendia de tudo: de fumo em corda a tecido de chita. Sete filhas, sete partos, todos em casa. As comadres vinham de longe segurando as galinhas ainda vivas presas nos pés num barbante encardido. A ave, coitada, era o presente para a comadre que acabara de dar a luz a mais uma menina. Prá quê roupinha de bebê se o mais importante era saciar a fome da mãe? Canja de galinha ajudava a mãe a ter mais leite nos primeiros dias depois do parto.
As irmãs mais velhas retornam pouco a pouco. Foram obrigadas a se esconder no porão da casa até terminar os trabalhos do parto. Ordem da parteira, mesmo em dia de frio intenso.
O pai? Pra ele nada de novo. Prazer poderia ter se por ventura viesse um filho varão. Mais uma menina, a terceira, quarta, que diferença faz. Lá pelas sete da noite, no lusco-fusco, o velho chega cambaleante. Um trago a mais na cabeça e o homem apronta mais uma das suas, das muitas que aprontou na vida. Maria presa na cama mal se mexe e aquela criança novinha chora, chora, chora. A mais velha das meninas corre por lenha no fogão. Água quente, rápido. O velho esbraveja. Quer deitar e ninguém ainda escaldou-lhe os pés. E a janta? Porque ainda não está pronta? Faz voar pela janela a primeira panela que vê pela frente. Ameaça dar um murro numa das meninas. Mais esperta que o pai, a menina corre e se esconde no quintal. Amedrontadas, todas correm e ele fica esbravejando sozinho na cozinha. Opa! No quarto tem gente. Antes de cair sujo, faminto na cama, dá um murro na Maria e quase mata a criança que ela protege nos braços frágeis.
Calmaria. Uma a uma, as meninas entram na casa e vão até o quarto ver o estado da mãe. Ela chora e pede baixinho para Deus acalmar o marido. Prá Deus dar-lhe forças para agüentar o rojão. Prevendo que no dia seguinte a situação ainda possa ser pior, pede para que uma das meninas compre meia garrafa de pinga. Maria pensa: “na hora em que ele estiver bem bravo, se tiver uma pinguinha por perto ele sossega.”
A esperança é que Maria um dia possa dar-lhe um filho homem.
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